Contratos confidenciais que detalham as práticas de negócios da Monsanto Co. revelam como a maior desenvolvedora de sementes do mundo está pressionando competidores, controlando companhias menores de sementes e protegendo seu domínio sobre o mercado multibilionário de sementes geneticamente modificadas.
A reportagem é de Chirstopher Loenard, publicada pela Associated Press e pelo sítio The Atlanta Journal-Constitution, 14-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto e foi publicado pelo IHU-Unisinos.
Com os genes patenteados da Monsanto inseridos em cerca de 95% de toda a soja e de 80% de todo o milho produzido nos EUA, a companhia também está usando seu amplo alcance para controlar a habilidade de novas empresas biotécnicas de obter uma grande distribuição de seus produtos, de acordo com uma investigação de diversos acordos de licenciamento da Monsanto e dezenas de entrevistas com participantes da indústria das sementes e com especialistas em direito e em agricultura.
A queda da competição no negócio de sementes poderia levar a uma elevação de preços que atingiriam a mesa de todas as famílias. É por isso que os flocos de milho que você come no café-da-manhã, o refrigerante que você bebe no almoço e o molho de carne que você janta provavelmente foram produzidos a partir de sementes que cresceram com os genes patenteados da Monsanto.
Os métodos da Monsanto são explicados em detalhe em uma série de acordos de licenciamento comercial confidenciais obtidos pela Associated Press. Os contratos, de 30 páginas, incluem termos básicos para a venda de sementes manipuladas resistentes ao herbicida Roundup da Monsanto, junto com acordos suplementares mais curtos, que se referem às novas características da Monsanto ou a outras emendas de contratos.
A companhia usou os acordos para difundir sua tecnologia – dando a cerca de 200 companhias menores o direitos de inserir genes da Monsanto em suas variedades separadas de pés de milho e de soja. Mas, segundo a investigação da AP, o acesso aos genes da Monsanto vem com um custo e uma grande quantidade de outros anexos pendentes.
Por exemplo, uma cláusula de um contrato proíbe que empresas independentes cultivem plantas que contenham tanto os genes da Monsanto e os genes de qualquer um de seus concorrentes, a menos que a Monsanto tenha lhes dado uma permissão prévia por escrito – dando à Monsanto a possibilidade de efetivamente trancar a porta para que seus concorrentes insiram suas características patenteadas na vasta parcela das sementes norte-americanas que já contêm genes da Monsanto.
As estratégias de negócio e os acordos de licenciamento da Monsanto estão sendo investigadas pelo Departamento de Justiça dos EUA e por pelo menos dois procuradores gerais do Estado, que estão tentando determinar se essas práticas violam as leis antitruste dos EUA. As práticas também estão no centro de processos antitruste civis contra a Monsanto apresentados por seus concorrentes, incluindo um processo de 2004 apresentado pela Syngenta AG, que foi decidido por meio de um acordo, e uma litigação em curso pedida neste verão pela DuPont em resposta à ação judicial da Monsanto.
A gigante da agricultura com sede no subúrbio de St. Louis disse que não fez nada errado.
“Nós acreditamos que não haja qualquer mérito para alegações sobre nossos acordos de licenciamento ou seus termos”, disse o porta-voz da Monsanto, Lee Quarles. Ele disse que não poderia comentar sobre cláusulas específicas dos acordos, porque eles são confidenciais e estão sujeitos a uma litigação em curso.
“Nossa atitude com relação ao licenciamento a muitas companhias é pró-competição e permitiu que literalmente centenas de empresas de sementes, incluindo todos os nossos principais concorrentes diretos, oferecessem milhares de novos produtos para sementes aos agricultores”, disse.
O benefício da tecnologia da Monsanto para os fazendeiros é inegável, mas alguns de seus principais concorrentes diretos e empresas de sementes menores afirmam que a companhia está usando táticas repressivas para promover o seu controle.
“Acreditamos agora que a Monsanto tem controle sobre algo como 90% das sementes transgênicas. Esse nível de controle é quase inegável”, disse Neil Harl, economista agrícola da Iowa State University, que estudou a indústria das sementes durante décadas. “O resultado disso é que está se intensificando o controle da Monsanto e tornando-lhes possível o aumento de seus preços a longo prazo. E temos visto isso acontecer durante os últimos cinco anos, e o fim não está ao alcance dos olhos”.
Aumento dos preços
Questiona-se quanto poder uma única empresa pode ter sobre as sementes, o fundamento do suprimento de alimentos do mundo. Sem uma competição forte, a Monsanto pode elevar o preço de suas sementes o quanto quiser, o que, por sua vez, pode elevar o custo de tudo, desde a ração animal até o pão branco e os biscoitos.
O preço das sementes já está aumentando. A Monsanto aumentou o preços de algumas sementes de milho no ano passado em 25%, com 7% adicionais de aumento planejados para as sementes de milho em 2010. As sementes de soja da marca Monsanto subiram 28% no último ano e ficarão estáveis ou aumentarão 6% em 2010, disse a porta-voz da empresa, Kelli Powers.
O grande uso de acordos de licenciamento pela Monsanto colocou as suas características biotécnicas entre as tecnologias mais ampla e rapidamente adotadas na história da agricultura. Nestes dias, quando os agricultores compram fardos de sementes com marcas obscuras como AgVenture ou M-Pride Genetics, eles estão pagando por produtos de licença da Monsanto.
Uma das inúmeras cláusulas nos acordos de licenciamento é a proibição de misturar genes – ou “amontoar”, na gíria industrial –, o que aumenta o poder da Monsanto.
Uma cláusula contratual provavelmente ajudou a Monsanto a comprar 24 empresas de sementes independentes em todo o Cinturão Agrícola [Estados do Meio Oeste dos EUA como Iowa, Kansas, Minnesota, Nebraska, Dakota do Norte e do Sul] ao longo dos últimos anos: esse acordo sobre as sementes de milho afirma que, se uma empresa menor muda de proprietário, seu inventário com as características da Monsanto “deve ser destruído imediatamente”.
No entanto, Quarles disse que não sabia desse acordo mais antigo, obtido pela AP, mas disse que, “da forma como eu entendo”, a Monsanto inclui cláusulas em todos os seus contratos que permitem que as empresas vendam seu inventário se o proprietário mudar, em vez de forçá-las a destruir o inventário imediatamente.
Outra cláusula de contratos do início da década – referentes a descontos – também ajuda a explicar o rápido crescimento da Monsanto ao ampliar os novos produtos.
Um contrato dava a uma empresa de sementes independente grandes descontos se a companhia assegurasse que os produtos da Monsanto atingissem 70% do total do seu inventário de sementes de milho. Em sua ação judicial de 2004, a Syngenta chamou os descontos como uma parte da “campanha de terra arrasada” da Monsanto para manter as novas características da Syngenta fora do mercado.
Quarles disse que os descontos foram usados para atrair as empresas de sementes a divulgar produtos da Monsanto quando a tecnologia era nova e os agricultores ainda não a haviam usado. Agora que os produtos estão bem difundidos, a Monsanto não deu continuidade aos descontos, disse ele.
Os contratos da Monsanto revistos pela AP proíbem que as empresas de sementes discutam termos, e a Monsanto tem o direito de cancelar acordos e destruir os inventários de um negócio se as cláusulas de confidencialidade são violadas.
Thomas Terral, diretor geral da Terral Seed, em Louisiana, disse que recentemente rejeitou um contrato da Monsanto porque colocava muitas restrições ao seu negócio. Mas Terral recusou apresentar o contrato não firmado à AP ou mesmo discutir seus conteúdos porque ele tinha medo de que a Monsanto o retaliasse e cancelasse o resto de seus acordos.
“Eu estaria tão envolvido com o que seria capaz de fazer que basicamente eu não teria valor nenhum para qualquer outra pessoa”, disse ele. “A única pessoa à qual eu teria valor seria a Monsanto e continuaria pagando milhões para eles em taxas”.
Os proprietários de empresas de sementes independentes poderiam renunciar a seus contratos com a Monsanto e retornar às vendas de sementes convencionais, mas disseram que isso poderia ser financeiramente desastroso. O gene Roundup Ready da Monsanto se tornou o padrão industrial ao longo da última década, e as pequenas empresas temem a perda de consumidores se renunciarem a ele. Também poderia levar anos de cultivos e investimentos para misturar os genes da Monsanto em uma linha de produtos de uma companhia de sementes, por isso renunciar aos genes poderia ser muito custoso.
A Monsanto reconhece que os advogados do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) estão procurando documentos e entrevistando empregados da empresa sobre suas práticas de mercado o DOJ não quis comentar.
Um representante do procurador-geral de Iowa, Tom Miller, disse que o escritório está examinando possíveis violações antitruste. Além disso, duas fontes íntimas à investigação no Texas disseram que o escritório do procurador-geral do Estado, Greg Abbott, estão investigando as mesmas questões. Os Estados têm a autoridade de fazer valer as leis antitruste federais, e os procuradores-gerais muitas vezes estão envolvidos nesses casos.
O presidente e diretor-executivo da Monsanto, Hugh Grant, disse aos analistas de investimentos durante uma conferência que os aumentos de preços se justificam por causa do estímulo de produtividade que os agricultores tiveram com as sementes da companhia. Os agricultores e os proprietários de empresas de sementes concordam que a tecnologia da Monsanto impulsionou os rendimentos e os lucros, economizando o tempo que eles antes gastavam eliminando as pragas e o dinheiro que gastavam com pesticidas.
Mas os recentes aumentos de preços ainda têm sido duros para engolir nas fazendas.
“É como se eu tivesse sido atingido por um mal tempo e tivesse tido um rendimento pobre. Isso apenas significa que eu ganhei menos no fim das contas”, disse Markus Reinke, produtor de milho e soja perto de Concordia, Missouri, que assumiu a fazenda de sua família em 1965. “Eles podem cobrar porque podem fazer isso e prosseguir normalmente. Nós, agricultores, só nos queixamos, balançamos nossas cabeças e seguimos em frente com isso”.
Qualquer caso do Departamento de Justiça contra a Monsanto poderia dar origem a um novo patamar ao equilibrar um direito da empresa de controlar seus produtos patenteados ao mesmo tempo em que protege o direito à competição livre e aberta, disse Kevin Arquit, ex-diretor da Federal Trade Commission Competition Bureau e atual procurador antitruste com a empresa Simpson Thacher&Bartlett LLP, em Nova York.
“Há questões muito interessantes e não apenas para as empresas, mas para o Departamento de Justiça”, disse Arquit. “Eles estão em uma área em que há incerteza na lei e há implicações sobre o bem-estar do consumidor e sobre as políticas governamentais independentemente do resultado”.
Outras empresas de sementes seguiram a liderança da Monsanto incluindo cláusulas restritivas em seus acordos de licenciamento, mas seus produtos penetraram apenas em segmentos menores do mercado de sementes dos EUA. O gene Roundup Ready da Monsanto, por outro lado, está em um conjunto tão amplo de sementes que seus acordos de licenciamento podem ter um efeito massivo nas leis do mercado.
O crescimento do gigante
A Monsanto era apenas um concorrente de um nicho específico nos negócios de sementes há 12 anos. Ela chegou ao topo graças à inovação de seus cientistas e ao agressivo uso da lei de patentes por seus procuradores.
Primeiro, veio a ciência, quando a Monsanto, em 1996, introduziu a primeira variedade comercial de sementes geneticamente modificadas de soja do mundo. As plantas Roundup Ready era resistentes ao herbicida, permitindo que os agricultores passassem Roundup quando quisessem, em vez de terem que esperar até que a soja tivesse crescido o suficiente para suportar o produto químico.
A companhia logo colocou à disposição outras sementes transgênicas, como os pés de milho que produziam um pesticida natural para afugentar insetos. Mesmo que a Monsanto tivesse produtos que eram um sucesso de venda, ela ainda não tinha um ponto de apoio em uma indústria de sementes feita de centenas de empresas que abasteciam os agricultores.
Foi aí que entraram as inovações legais, quando a Monsanto se tornou uma das primeiras a patentear amplamente seus genes e a conquistar o direito de controlar estritamente como deviam ser usados. Esse controle permitiu-se difundir sua tecnologia por meio de acordos de licenciamento, ao mesmo tempo em que formava o mercado ao redor deles.
Ainda na década de 70, universidades públicas desenvolveram novas variedades para as sementes de milho e de soja que faziam com que crescessem de forma resistente e resistissem às pestes. As empresas de sementes pequenas obtinham as variedades a preço baixo e podiam misturá-las a sementes de espécies superiores sem restrições. Mas os acordos deram à Monsanto o controle sobre a mistura de múltiplas variedades biotécnicas de sementes.
As restrições atingiam até pesquisadores financiados pelos contribuintes.
Roger Boerma, professor pesquisador da Universidade da Georgia, está desenvolvendo variedades especializadas de sementes de soja que crescem bem nos Estados do sudeste norte-americano, mas sua pesquisa atual está presa por essas restrições da Monsanto e de seus competidores.
“Tornou uma fase da nossa vida incrivelmente desafiador e difícil”, disse Boerma.
As regras também podem restringir a pesquisa. Boerma parou uma pesquisa sobre uma linha de novas plantas de soja que continham uma característica de um competidor da Monsanto quanto ele soube que a característica era inefetiva a menos que pudesse ser misturado ao gene Roundup Ready da Monsanto.
Boerma disse que ele nem pensou em pedir permissão da Monsanto para misturar suas características com a variedade do competidor.
“Eu acho que a mistura da tecnologia de características deles com a tecnologia de características de outra companhia provavelmente seria um sério problema para eles”, disse.
Ao mesmo tempo, os direitos de patente da Monsanto dão-lhe a autoridade para dizer até que ponto as empresas são independentes para usar suas características, disse Quarles.
“Tenham em mente que, como o desenvolvedor de propriedade intelectual, é nosso direito determinar quem irá obter os direitos sobre nossa tecnologia e para qual objetivo”, disse.
“Se as empresas de sementes independentes estão perdendo sua licença e têm que destruir suas sementes, elas não vão ter nada, com efeito, para vender”, disse Boies. “Isso requer que elas destruam coisas – destruam coisas que pagaram – se se tornarem competitivas. Esse é exatamente o tipo de restrição sobre escolhas competitivas que as leis antitruste proíbem”.
Alguns donos de empresas de semente independentes disseram se sentem crescentemente prejudicados com o fortalecimento da liderança da Monsanto na indústria.
“Eles têm o capital, têm os recursos, são donos de muitas empresas e estão comprando mais. Nós somos uma cidade do interior, eles são a Wall Street“, disse Bill Cook, co-proprietário da empresa de sementes M-Pride Genetics, em Garden City, Missouri, que também não quis discutir ou fornecer os acordos. “É muito difícil competir nesse ambiente contra empresas como a Monsanto”.